O papel dos portos na economia circular (Green Logistics)

 Entrada / Insights CEB / O papel dos portos na economia circular (Green Logistics)
"2015 é o ano de virar a página aos “Objetivos do Milénio” para dar lugar aos “Objetivos da Sustentabilidade” e que surgem a reforço dos modelos de desenvolvimento preconizados pela “Economia Circular e de Baixo Carbono” rumo a um 2030 mais inclusivo e sustentável.

 

No rescaldo dos anos de industrialização - perante a vaga do crescimento da população mundial que enfrenta a escassez de recursos naturais, à medida que o planeta vai ficando inundado de resíduos - vamos assistindo a uma mudança de paradigma na utilização de matérias-primas. Sendo que os recursos naturais têm dado lugar à matéria reciclada, da qual 40% do aço, 50% do papel e 35% do cobre produzido têm na sua génese resíduos valorizados.

 

Da evolução tecnológica, motivada pela escassez de recursos naturais, até às motivações dos líderes mundiais, ergue-se o contexto macroeconómico favorável a uma nova vaga de desenvolvimento industrial, liderada pelas designadas “indústrias verdes”.

 

O sucesso dessas indústrias está ainda ameaçado pela complexidade da cadeia de abastecimento e pela eficiência dos processos logísticos, pese embora o impacto das atividades económicas de recolha, seleção e valorização de resíduos terem uma expressão anual superior a 1,3 triliões de euros, influenciando positivamente os volumes de carga que cruzam os mares e os oceanos. De acordo com os dados apresentados no passado mês, durante a World Conference da “International Solid Waste Association” (ISWA), mais de 20% da carga contentorizada e oriunda do mundo ocidental são resíduos. Só na Europa, a exportação de resíduos é responsável por 35 milhões de toneladas movimentadas nos portos, estimando-se uma forte expectativa de crescimento, motivada quer pela quantidade de veículos em fim de vida quer pelo lixo eletrónico que não para de aumentar.

 

Os portos e as regiões costeiras – originados pela sua abertura ao mundo - têm-se assumido como epicentros de inovação e desenvolvimento tecnológico, evoluindo de “hubs” logísticos para uma visão moderna de porto enquanto centro de negócios que atrai investimentos e promove o desenvolvimento das economias locais.

 

Na verdade, com a pressão da regulação ambiental, a mudança de paradigma na utilização de matérias-primas e o surgir de novas tipologias de indústrias - também elas servindo as necessidades do ecossistema portuário – surgem novas oportunidades de negócio para os portos que podem oferecer a interconectividade como uma vantagem competitiva para alavancar a prosperidade das “indústrias verdes”. É nesta franja de oportunidade que o Porto de Antuérpia situou o seu projeto “Blue Gate”. Este projeto oferece infraestruturas e processos logísticos inteligentes, otimizados para atrair indústrias “eco-friendly” para o seio do cluster portuário.

 

De braço dado com os seus parceiros empresariais e apostando no conhecimento e na inovação, o Porto de Antuérpia afirmou-se como o “hub” logístico mundial da “Economia Circular” criando, entre outras, condições logísticas para alimentar as cadeias de abastecimento da indústria Chinesa onde o plástico reciclado é transformado em peças de vestuário.

 

A abertura do Porto de Antuérpia possibilitou que fossem criadas condições para a fixação de indústrias que recebem lixo eletrónico de todo o mundo para lhes extrair os metais preciosos.

 

Muitos impactos ambientais provocados pela operação portuária foram também alvo de inovação. São disso exemplo os processos de valorização dos dragados em materiais com aplicação na construção civil. Não muito longe, também o Porto de Amsterdão criou condições para que dragados e fosfatos das águas de esgotos fossem transformados em fertilizantes, usados na importante indústria da floricultura holandesa, gerando valor para a economia e um melhor ambiente para as comunidades vizinhas.

 

Neste paradigma de desenvolvimento das indústrias verdes, o Porto de Amsterdão destaca-se por ter erguido a capacidade industrial de transformar óleos e outros resíduos orgânicos (muitos deles provenientes da atividade portuária) em biodiesel, com potencial de aplicação na produção de energia elétrica e aquecimento residencial. Esta iniciativa, para além de ter viabilizado o fascinante processo de transformar resíduos em riqueza, permitiu que fosse erguida a maior iniciativa industrial europeia de produção de biodiesel no seio do cluster portuário.

 

Dos constrangimentos ao crescimento da economia portuguesa temos a exposição aos mercados externos no abastecimento dos recursos energéticos e matérias-primas para a nossa indústria. A Portugal faltam muitas matérias-primas. No entanto, num contexto de transformação de lixo em riqueza, uma sociedade de consumo como a portuguesa produz todos os dias matérias-primas que podem ser transformadas para abastecer a indústria, fertilizar os nossos campos ou aquecer e iluminar os nossos lares.

 

Precisamos, para isso, de atrair investimentos “eco-friendly” que nos permita reduzir a nossa dependência do exterior e melhorar os nossos indicadores de performance económica, social e ambiental.

 

Dos exemplos que observamos, compreendemos que estas iniciativas empresariais precisam de estar abertas ao mundo e carecem de processos logísticos eficientes para assegurar a viabilidade económica dos seus modelos de negócio. À semelhança do que acontece noutras geografias, também em Portugal, existem condições para que os nossos portos constituam uma alavanca ao desenvolvimento destas indústrias, encontrando nelas uma oportunidade de negócio e a capacidade de gerar postos de trabalho e riqueza em regiões como Viana do Castelo, Aveiro, Figueira da Foz, Setúbal e Sines. Não obstante, todas estas regiões paradoxalmente beneficiarem de infraestruras portuárias, continuam marcadas por uma forte taxa de desemprego e elevados índices de exclusão social."

 

Ana Cristina RibeiroSobre o autor: Ana Cristina Ribeiro 

 

Engenheira Química, especializada em otimização de processos industriais e de suporte a cliente. Tendo, ao longo de três décadas, assumido funções de liderança em indústrias de tecnologia hospitalar, “oil & gas”, telecomunicações e tecnologias de informação aplicadas à logística e economia do mar. Ana Cristina Ribeiro é Gestora de Negócios Internacionais da recém-criada unidade de negócios da Economia do Mar: Blue Growth by Compta. 

 

Fonte: Cargo Edições